edición bilingue en portugués y castellano
As Emoções no Teatro da Política: uma apresentação à Antropologia das Emoções
x Maria Claudia Coelho[1]
Em abril de 2021, o Senado brasileiro instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a condução (ações e omissões) do combate à pandemia de COVID-19 no Brasil pelo Governo Federal e o repasse de verbas federais a estados e municípios. A Comissão foi formada por 18 Senadores (presidente, vice-presidente, relator, oito membros titulares e sete membros suplentes).
Todos eram homens.
Em razão disso, a bancada feminina do Senado fez um acordo com a Comissão para que uma senadora pudesse fazer perguntas às testemunhas, em um sistema de rodízio entre cinco delas. Não poderiam, contudo, apresentar requerimentos ou votar.
Em 25 de junho, a senadora Simone Tebet, do MDB do Mato Grosso do Sul, protagonizou um momento decisivo nos trabalhos da CPI. O deputado federal Luís Miranda depunha sobre uma denúncia de um suposto esquema para venda de vacinas que, juntamente com seu irmão, o funcionário público Luís Ricardo Miranda, teria apresentado ao presidente Jair Bolsonaro. Este teria atribuído a responsabilidade pelo esquema a um outro deputado, cujo nome Luís Miranda se recusava a dizer.
O senador Alessandro Vieira admoestou-o então em tom duro, dizendo que lhe faltava coragem para dizer a quem Bolsonaro havia atribuído o esquema: “Coragem, deputado, não é só pra brincar na internet. Aqui é uma coisa muito séria. O senhor voluntariamente compareceu na CPI. (...) O senhor voluntariamente assumiu o compromisso de dizer a verdade, mas lhe falta coragem pra dizer. Então não assumisse o compromisso. Fizesse como vários outros fizeram. Não tiveram coragem de assumir o compromisso de dizer a verdade. O senhor assumiu o compromisso e agora aqui, diante do Brasil, não tem a coragem de falar o nome. Eu falo. deputado federal Ricardo Barros. Será ouvido se a CPI assim o entender. (...)”
Luís Miranda.- O senhor acha que eu já não tive coragem demais de estar aqui, senador? (...)
Simone Tebet.– (...) Eu gostaria de, na linha do senador Alessandro, pedir aqui que, no espírito público que parece que tem presente na alma e no coração do deputado, dos irmãos Miranda, que complete o depoimento a favor do país. É muito importante que diga o nome. (...) Se Vossa Excelência tiver a coragem de dizer o nome, eu posso garantir, não se preocupe com o Conselho de Ética da Câmara de Deputados. (...) Pode falar o nome do deputado porque nós já sabemos.
Luís Miranda.- A senhora sabe que se eu fizer isso...eu vou ser perseguido...já perdi tudo o que eu tenho (...) o que mais vocês querem que eu faça?
Simone Tebet.- Bom, deputado, o senhor só confirma que sabe e não quer dizer, eu respeito como parlamentar, eu entendo a posição de Vossa Excelência. (...)
Luís Miranda.– (chorando) Eu sei o que vai acontecer comigo. A senhora também sabe que é o Ricardo Barros que o presidente falou. (...) Eu não me sinto pressionado para falar, eu queria ter dito desde o primeiro momento, mas é porque vocês não sabem o que eu vou passar.
Esta cena, um divisor de águas na investigação aberta pelo Senado brasileiro para apurar a condução do enfrentamento da pandemia pelo governo federal, é a porta de entrada que escolhi para apresentar a área de Antropologia das Emoções – sua história, suas principais ideias, seu rendimento analítico.
* * *
A antropologia é uma disciplina erigida sobre um tripé: “cultura” (um conceito), “etnografia” (um método) e “relativismo” (uma atitude intelectual diante da diversidade de maneiras de existir que a humanidade inventou). Entre cultura, etnografia e relativismo há um entrelaçamento estreito, denso, na medida em que o estudo da diversidade cultural é o objeto per se da antropologia, abordado de maneira imersiva por meio do método etnográfico com um compromisso inarredável com o relativismo, ou seja, com a compreensão, sem julgamentos, hierarquias ou valores, da forma de estar no mundo que o outro – esse personagem do relato antropológico – escolheu.
Essa perspectiva permite aos antropólogos transformar em objeto de estudo virtualmente qualquer aspecto da existência humana. É uma disciplina que não se define por um objeto, mas sim por uma forma de “olhar” para o mundo (para usar a metáfora que lhe é tão cara), olhar esse que “transforma o exótico em familiar e o familiar em exótico”, na famosa expressão do antropólogo Roberto DaMatta.
É assim, então, que os antropólogos estudam formações familiares, atitudes diante da morte, práticas esportivas e de lazer, concepções de justiça, segurança e policiamento, percepções da violência, representações de saúde e doença, culturas profissionais e organizacionais, dimensões simbólicas do consumo e um sem-fim de outros temas que seria tedioso arrolar aqui. Sendo assim, as emoções não escaparam ao escrutínio do olhar antropológico.
O primeiro autor a dedicar atenção específica às emoções foi o etnólogo francês Marcel Mauss, que em 1921, exatos 100 anos atrás, publicou um pequeno artigo intitulado “A Expressão Obrigatória dos Sentimentos”. Nele, Mauss analisa um conjunto de ritos funerários australianos para mostrar que os sentimentos de luto e pesar são expressos segundo regras estéticas que prescrevem os momentos corretos para o choro, para o recrudescimento das expressões de sofrimento, etc. Sua hipótese é de que os sentimentos não proviriam do íntimo do sujeito, mas sim seriam nele suscitados pelas convenções rituais. Mas – e aqui está o toque de sofisticação teórica que caracteriza o autor -, disto não decorre que essas emoções, por serem socialmente geradas, sejam inautênticas. Ao contrário, o que muda é a compreensão da origem dos sentimentos, sua “etiologia”, por assim dizer: as emoções seriam, como todos os outros aspectos da existência humana, cultural e socialmente configuradas.
Se é relativamente fácil reconhecer a ação da cultura e da sociedade em outros fenômenos em razão da diversidade de formas com que se apresentam – regimes políticos ou fenômenos esportivos, por exemplo -, é mais difícil aceitar isso quando o tema em questão é representado, pelo senso comum, como da ordem da “natureza” (e, portanto, “universal”) ou da ordem do “indivíduo” (e, portanto, “singular”). A vida emocional padece dos dois problemas, pois o senso comum ocidental entende as emoções como sendo, ao mesmo tempo, provenientes do íntimo de cada um, sendo assim individuais e singulares, e dotadas de uma natureza universal, ou seja, em essência, as mesmas por toda parte. Quem ama, ou sente ciúmes, ou inveja, ou raiva, sentiria sempre da mesma forma, em qualquer parte do mundo, mas as razões para isso estariam relacionadas à personalidade ou história de vida de cada um.
É contra essas duas pressuposições que a Antropologia das Emoções se insurge. Como um campo autônomo, na “cena” intelectual que tomarei aqui como referência (os Estados Unidos), a Antropologia das Emoções surge nos anos 1980, tendo como principais referências três antropólogas: Michelle Rosaldo, Catherine Lutz e Lila Abu-Lughod (e não é por acaso, como ficará claro a seguir, que esse é um campo com três founding mothers).
Há três ideias essenciais aqui. A primeira vem da obra de Michelle Rosaldo, que vai buscar em Clifford Geertz e suas análises sobre a concepção de “pessoa” a autorização teórica para construir as emoções como um objeto legítimo da análise antropológica. Para ela, as emoções seriam “pensamentos incorporados”, ou seja, demarcariam a diferença entre perceber que uma criança chora e se dar conta de que essa criança que chora é o seu filho. A importância dessa definição está na fusão que opera entre afeto, cognição e corpo – áreas tradicionalmente separadas no pensamento ocidental.
Catherine Lutz contribui também para a construção do campo com uma etnografia sobre as emoções entre os Ifaluk da Micronésia. De seu trabalho podemos reter o uso da noção de “etnopsicologia”, ou seja, a ideia de que toda sociedade (ou grupo social, se quisermos expandir o rendimento do conceito para as multifacetadas sociedades complexas contemporâneas) tem uma concepção própria da vida emocional, uma (des)valorização das emoções, prescrições de cunho moral sobre quem pode/deve sentir o que (ou não), e quando, e por quê. Podemos, assim, falar tanto em uma etnopsicologia Ifaluk, ou Awlad ‘Ali (os beduínos nômades estudados por Abu-Lughod), quanto em etnopsicologias específicas de grupos profissionais ou de instituições contemporâneas.
A terceira ideia vem também da obra de Catherine Lutz, que por meio da exploração do rendimento analítico desse conceito, faz uma outra contribuição essencial para o estudo antropológico das emoções: uma investigação sobre a “etnopsicologia” euroamericana (como ela demarca seu universo). Para Lutz, a forma de pensar sobre as emoções típica da Europa Ocidental e dos Estados Unidos contemporâneos giraria em torno de dois eixos: as oposições emoção-pensamento e emoção-distanciamento. Na primeira, a emoção é associada ao feminino e constitui o polo negativo, enquanto o pensamento (a razão) seria um atributo do masculino, constituindo o polo positivo. Na segunda, a valoração se inverte, com a emoção, entendida agora como capacidade empática típica do feminino, recebendo o sinal positivo, e o distanciamento (a “frieza” analítica, a “imparcialidade” que não se deixa comover) aparecendo com o sinal negativo e associada ao masculino.
O gênero
Daqui emerge o primeiro elemento que comporá uma espécie de “santíssima trindade” conceitual da Antropologia das Emoções: o gênero, que atravessará a etnopsicologia ocidental, prescrevendo os afetos a serem sentidos e expressos por homens e mulheres em ocasiões específicas.
A articulação entre gênero e emoções tem várias implicações para o estudo antropológico das emoções. A principal é que haveria uma “divisão sexual do trabalho emocional”, ou seja, haveria uma gramática que prescreveria/proscreveria emoções distintas para homens e mulheres. Como exemplos, podemos citar a coragem ou a frieza esperada dos homens, ou o medo e a compaixão associados às mulheres. Em geral, essas prescrições/proscrições operam como um “espelho invertido”, ou seja, aquilo que se espera que as mulheres sintam/expressem em situações específicas é interdito aos homens, e vice-versa.
E voltemos à senadora Simone Tebet para examinar a linha de passe que fez, na CPI da COVID, com o senador Alessandro Vieira. Se, por um lado, sempre se poderia dizer que assistimos a uma típica cena de “good cop, bad cop”, por outro podemos nos perguntar: por que o “bad cop” foi o homem e a “good cop” a mulher? Por que coube a Alessandro Vieira interpelar agressivamente o deputado, dizendo que lhe faltava coragem, e a Simone Tebet acolher seu medo, demonstrando compreensão? Em uma leitura antropológica da dinâmica emocional desse episódio, o que assistimos foi uma encenação perfeita dessa “divisão sexual do trabalho emocional”, uma ilustração fina da relação entre emoções e gênero postulada pela antropologia das emoções.
Temos, assim, um primeiro ponto: a cultura atua sobre a vida emocional, distribuindo as emoções prescritas/proscritas em torno do eixo “gênero”. Além disso, como dissemos acima, essa polarização é dotada de valência: a emoção ora é o polo negativo (quando associada ao feminino e oposta à razão), ora é o polo positivo (quando associada à capacidade empática e oposta ao distanciamento masculino). Mas por que esses sinais trocados? Por que a emoção é desvalorizada ao ser oposta à razão e atribuída ao feminino?
O controle
A resposta está no papel atribuído, nessa “etnopsicologia” euroamericana, ao controle. A representação das emoções, quando associadas ao feminino, é perpassada por imagens de descontrole, entendido como excesso (e não é demais frisar aqui que o descontrole feminino traz a marca do excesso, de uma incontinência, e não de uma outra forma possível do descontrole, que seria a inação, a paralisia). O descontrole feminino é, assim, de certo modo, um “a mais” em relação a um suposto “ponto ótimo” de “equilíbrio”, que as emoções viriam colocar em risco. O oposto disso é, evidentemente, a “racionalidade” masculina, reduto da calma e das análises ponderadas porque “frias” emocionalmente. E tudo isso resulta naquelas distintas valências porque o descontrole emocional atribuído ao feminino tornaria as mulheres, ao mesmo tempo, vulneráveis e perigosas, ou seja, colocaria, a elas e aos outros, em situação de risco.
E aqui nossa personagem, Simone Tebet, entra em cena novamente, como protagonista de outro episódio da CPI da COVID. O ministro Wagner Rosário, da Corregedoria-Geral da União (CGU), era ouvido pela CPI quando Tebet criticou seu desempenho no processo de aquisição pelo governo federal na compra da vacina Covaxin. Entre outras coisas, a Senadora afirma a falsidade de alguns documentos e diz que o ministro não pode se comportar como “advogado do governo”. O diálogo, então, se torna mais ríspido:
Ministro.– Bem, senadora, com todo o respeito à senhora, eu recomendo que a senhora lesse tudo de novo porque a senhora falou uma série de inverdades aqui.
Senadora.– Não faça isso. O senhor pode dizer que eu falei inverdades, mas não me peça para fazer algo porque eu sou senadora da República.
Ministro.– A senhora me chamou de engavetador, me chamou do que quis. Me chama de menino mimado, eu não lhe agredi. A senhora está totalmente descontrolada, me atacando.
Nesse momento o plenário vira um pandemônio, com diversos senadores (homens) saindo em defesa de Tebet. A razão? A acusação de “descontrole”, tomada como um “desrespeito” a uma senadora.
Nem sob encomenda poderíamos encontrar uma cena tão perfeita para ilustrar aquela associação entre o feminino, o descontrole e as emoções descrita pela análise antropológica das emoções no Ocidente. Essa cena é ainda mais fecunda, como “objeto” de análise, porque a acusação de descontrole é feita após uma série de críticas em que Tebet explica ao ministro qual é a sua função no governo, ou seja, inverte a mão no processo de quem explica, esclarece ou elucida quem, “trabalho” esse que, em sociedades patriarcais, “machistas”, seria prerrogativa exclusiva do masculino (e não custa lembrar o conceito recente de “mansplaining”, cunhado pela jornalista norte-americana Rebecca Solnit em 2014, para explicar essa versão minimalista do machismo). À sua atitude “incompatível” com o feminino (contém ironia), o ministro responde colocando-a “de volta em seu lugar” – afinal, uma mulher que explica a um homem, em público, qual o seu papel profissional, só pode estar “descontrolada”.
O poder
Ocorre que, nesta cena, há um outro eixo que interfere nos rumos da discussão: o poder. Trata-se de uma discussão entre um ministro e uma senadora, no contexto de uma CPI, à qual o ministro comparece para depor. Relembremos a sequência: a senadora afirma que não parabeniza o trabalho do Ministro, apontando falhas em seu entendimento de qual é o seu papel no governo e explicando a ele qual é sua função; ele retruca recomendando que ela “leia tudo de novo”, porque teria dito “uma série de inverdades”; ela reage dizendo “não me peça para fazer algo porque eu sou uma senadora da república” e que o ministro está se comportando “como um menino mimado”; ele então responde “não me chama de menino mimado, eu não lhe agredi, a senhora está totalmente descontrolada”. É nesse momento que a sessão se transforma num tumulto, em que escutamos vários senadores exigindo respeito para com Simone Tebet e tomando a acusação de “descontrole” como um insulto “machista”.
Qual a lógica subjacente a essa acusação de “descontrole” e à reação de Tebet e de vários senadores? O atravessamento da cena por um eixo ligado à autoridade e ao poder pode nos oferecer uma chave para entendê-la. Trata-se de um Ministro convocado por senadores para depor, condição na qual é interrogado por uma mulher senadora. A posição da qual fala – como depoente convocado – já é, de certa forma, subordinada a quem detém o poder de perguntar. Ou seja, os atos de fala típicos de cada papel – interrogadora e depoente – já carregam uma assimetria de poder em que o feminino se superpõe ao masculino. A situação explode quando o embate muda de patamar: já não mais quem pergunta a quem, mas quem explica a quem. O ministro sugere, de maneira um tanto eufemística (a “série de inverdades”), que a senadora não entendera o que lera (um episódio de mansplaining?), o que ela toma como desrespeito ao cargo que ocupa. O ministro aciona então a acusação de “descontrole” como forma de restabelecimento de uma hierarquia, à qual Tebet reage prontamente.
A santíssima trindade: gênero, controle, poder
Vemos, assim, se completar a “santíssima trindade” conceitual da Antropologia das Emoções: gênero, controle, poder. A “divisão sexual do trabalho emocional” é organizada segundo uma lógica de desvalorização das emoções por sua dimensão de descontrole entendida como um atributo/uma prerrogativa do feminino, ao mesmo tempo capaz de vulnerabilizar (o “sexo frágil”) e de ameaçar (o equilíbrio racional restaurador da ordem, atributo/prerrogativa do masculino). E é essa associação entre feminino/descontrole emocional que se encontra na base de tantas formas, mais ou menos brutas, mais ou menos sutis, da “dominação masculina”.
Mas, se é assim, resta uma pergunta: por que tantos senadores homens saíram em defesa de Tebet? E aqui, mais uma cena da nossa senadora-personagem pode nos oferecer uma resposta.
Findos os trabalhos da CPI, Tebet fez um agradecimento ao presidente da CPI, Omar Aziz, por ter permitido a participação da bancada feminina. Disse ela: “Vossa Excelência seria hoje o nosso 15º senador, senadora. Mas pra não dizer que é mais uma senadora, eu diria o seguinte: Vossa Excelência é um senador da República que tem alma feminina. Que numa linguagem futebolística, matou no peito. Mesmo deixando de lado o regimento interno, disse: ‘eu assumo a responsabilidade. A CPI vai ter voz da mulher brasileira’. (...)Sabe o que aconteceu? Quando a CPI estava concluindo a sua primeira fase, foi da bancada feminina que saiu aqui uma fala de um deputado bolsonarista denunciando o presidente da República por prevaricação. E essa é a importância de homens e mulheres juntos. O senador Alessandro, no papel incisivo de delegado, desafiou a coragem do deputado bolsonarista, depois veio a voz de uma mulher, que com toda a calma, acolhendo e garantindo proteção, pudesse tirar desse deputado bolsonarista o nome do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros”.
A vontade é escrever, ao final da citação, “Tebet (2021)”, seguindo a convenção do texto acadêmico. Porque é difícil imaginar uma síntese melhor da relação gênero/emoção na “etnopsicologia” euroamericana descrita por Catherine Lutz: a complementariedade dos papeis opostos (“homens e mulheres juntos”), com o homem “incisivo”, que “desafia a coragem”, e a mulher “acolhedora”, que “protege”.
Mas a fala de Tebet, ao final, nos oferece ainda um pouco mais: “Temos o mesmo sangue das mulheres brasileiras, a coragem, a determinação, a capacidade de buscar a verdade acima de tudo, a nossa luta por justiça social, sem perder a ternura”. A mulher-personagem de seu discurso é corajosa e determinada, mas preserva a ternura e a calma (ao acolher e oferecer proteção), fundindo assim atributos masculinos e femininos.
Esse borrar da “divisão sexual do trabalho emocional” aparece também sob outras formas, como no clamor masculino de “respeito pela senadora” e de acusações iradas de machismo proferidas por senadores homens contra o ministro Wagner Rosário devido ao epíteto “descontrolada” dirigido a Tebet. Trata-se, aqui, de um embate interseccionado: o que deve predominar, a subalternidade da condição feminina ou a autoridade do cargo? Em sendo todos ocupantes do mesmo cargo, não é difícil imaginar a resposta.
E ainda: chama a atenção o recurso abundante a metáforas futebolísticas feito por Tebet em diversas falas. Em entrevista sobre como conseguira que o deputado Luís Miranda dissesse o nome desejado pela CPI: “o gol foi feito. Mas foi uma construção coletiva. Eu não sei muito de futebol, mas posso dizer que só cabeceei depois que o escanteio foi cobrado”. Ou respondendo a um tuíte algumas semanas antes: “Pra continuar na metáfora do futebol, parece que o jogo ainda terá prorrogação com momentos decisivos”. E, pinçando do elogio a Omar Aziz: “Vossa Excelência matou no peito”.
O entrelaçamento gênero-controle-poder, central na constituição do campo da antropologia das emoções, bateu um bolão na CPI da COVID. Se o empoderamento feminino está na crista da onda, Tebet e sua equipe de Senadores confundiram a marcação adversária, ora reproduzindo as associações clássicas do homem-coragem e da mulher-acolhimento, ora embolando o meio de campo ao submeter um homem à autoridade de uma mulher (e não custa informar ao leitor que Wagner Rosário, que fora à CPI como depoente, saiu da sessão como investigado).
É porque as emoções, embora pertencentes no imaginário ocidental ao mundo privado (como as mulheres), também têm seu papel no mundo público masculino (do qual talvez a vida política seja a quintessência). E esse papel é cada vez mais reconhecido, tanto pelos teóricos quanto por seus “nativos”, como aconteceu no teatro da política encenado pela CPI da COVID no Senado brasileiro.
* * *
A socióloga norte-americana Arlie Hochschild escreveu que “as emoções são o lado oculto da ideologia”. Queria dizer com isso que as macro formas da organização social só se alteram realmente quando produzem efeitos nos níveis micro das interações cotidianas, da subjetividade, das emoções.
Quando foi que homens começaram a considerar desrespeitoso chamar uma mulher de “descontrolada”? E quando foi que se insurgiram contra isso, bradando “machista” contra o incauto? E quando foi que uma mulher brasileira recorreu a tantas metáforas do futebol para comentar o próprio desempenho (um tanto desajeitadamente, é verdade, afinal ela mesma diz não entender de futebol)? E ainda, desde quando Omar Aziz pode não se sentir ofendido por ter uma alma feminina e ser a 15ª senadora?
Ou: desde quando ser mulher virou elogio?
A política é jogo e teatro ao mesmo tempo, como tantos já discutiram. A senadora e os senadores jogaram para a plateia, evidentemente, nesses discursos repletos de, mas principalmente sobre, as emoções.
Mas toda encenação precisa ser crível. Assim, se por um lado há cinismo e manipulação evidentes, se olharmos para outro terreno – o esporte – veremos algo semelhante se redesenhando na dimensão emocional dos papéis de gênero.
Durante as Olimpíadas, a skatista Karen Jonz comentava as provas de skate quando, diante de uma volta extraordinária da japonesa Misugu Okamoto, Karen a elogiou em transmissão ao vivo: “ela já chegou colocando a xereca na mesa e falando assim: é isso aqui, galera”. As redes sociais enlouqueceram e Karen Jonz entrou para os tópicos mais comentados do Twitter.
Falando sobre seu desempenho, Jonz disse (conforme matéria do portal Terra) ficar “emocionada e descontrolada” durante as transmissões. Mais um sinal trocado: o descontrole emocional é agora positivo, tão positivo que justifica a inversão metafórica do que é que as grandes vencedoras colocam na mesa.
Gênero, (des)controle, poder e suas valências: esta é uma contribuição, entre tantas, que a antropologia das emoções tem a oferecer para a compreensão de um sem-fim de fenômenos contemporâneos. ║
Sigue traducción al castellano revisada y corregida por la autora.
Las emociones en el teatro de la política: Una presentación de la Antropología de las Emociones
x Maria Claudia Coelho[2]
En abril de 2021, el Senado brasileño instaló una Comisión Parlamentaria Investigadora (CPI) para indagar sobre la conducta (acciones y omisiones) por parte del Gobierno Federal y la transferencia de fondos federales a estados y municipios durante la lucha contra la pandemia Covid-19 en Brasil. La Comisión estuvo integrada por 18 senadores (presidente, vicepresidente, relator, ocho miembros titulares y siete suplentes).
Todos eran hombres.
Como consecuencia de eso, la bancada de mujeres del senado llegó a un acuerdo con la Comisión para que una senadora pudiera hacer preguntas a los testigos, según un sistema de rotación entre cinco de ellas. No podrían, con todo, presentar mociones ni votar.
El 25 de junio, la senadora Simone Tebet, del MDB (Movimiento Democrático Brasileño) de Mato Grosso do Sul, protagonizó un papel decisivo en las actuaciones de la CPI. El diputado federal Luís Miranda testificaba sobre una denuncia de un supuesto esquema de venta de vacunas que, junto a su hermano, el funcionario público Luís Ricardo Miranda, habría presentado al presidente Jair Bolsonaro. Este último habría asignado la responsabilidad del esquema a otro diputado, cuyo nombre Luís Miranda se negaba a decir.
Luego, el senador Alessandro Vieira lo amonestó con tono severo, diciendo que le faltaba coraje para decir a quién Bolsonaro había atribuido el esquema: “Coraje, diputado, no es solo para jugar en internet. Aquí hay algo muy serio. Usted compareció voluntariamente a la CPI. (...) Asumió voluntariamente el compromiso de decir la verdad, pero le falta el coraje para decirlo. Así que no se comprometa. Haga lo que hicieron muchos otros. No tuvieron el coraje de asumir el compromiso de decir la verdad. Hizo el compromiso y ahora aquí, frente al Brasil, no tiene el coraje de revelar el nombre. Yo sí lo digo. diputado federal Ricardo Barros. Se le escuchará si la CPI así lo decide. (...) "
Luís Miranda. - ¿Cree que no he tenido coraje de más al estar aquí, senador? (...)
Simone Tebet. - (...) Me gustaría, en la línea del Senador Alessandro, pedir aquí que, en el espíritu público que parece estar presente en el alma y corazón del diputado, de los hermanos Miranda, complete el testimonio en favor del país. Es muy importante que revele el nombre. (...) Si Su Excelencia tiene el coraje de decir el nombre, le puedo asegurar, no se preocupe por el Consejo de Ética de la Cámara de Diputados. (...) Puede decir el nombre del diputado porque ya lo sabemos.
Luís Miranda.- La Señora sabe que si hago esto... me perseguirán... ya he perdido todo lo que tengo (...) ¿qué más quiere que haga?
Simone Tebet.- Bueno, diputado, usted acaba de confirmar que sabe y no quiere decir, lo respeto como parlamentario, comprendo la posición de Su Excelencia. (...)
Luís Miranda.- (llorando) Sé lo que me va a pasar. La señora también sabe que es Ricardo Barros a quien mencionó el presidente. (...) No me siento presionado a hablar, quise decirlo desde el primer momento, pero es porque Ustedes no saben por lo que voy a pasar.
Esta escena, un parte aguas en la investigación abierta por el Senado brasileño para investigar cómo el gobierno federal estaba lidiando con la pandemia, es la puerta de entrada que elegí para presentar el área de Antropología de las Emociones: su historia, sus ideas principales, su desempeño analítico.
* * *
La antropología es una disciplina construida sobre un trípode: “cultura” (un concepto), “etnografía” (un método) y “relativismo” (una actitud intelectual hacia la diversidad de formas de existir que la humanidad ha inventado). Entre cultura, etnografía y relativismo existe un estrecho y denso entrelazamiento, pues el estudio de la diversidad cultural es el objeto de la antropología per se, abordado de manera inmersiva a través del método etnográfico con un compromiso inquebrantable con el relativismo, es decir, con la comprensión, sin enjuiciamientos, jerarquías ni valores, del modo de estar en el mundo que el otro - el personaje del relato antropológico – eligió.
Esta perspectiva permite a los antropólogos hacer un objeto de estudio de prácticamente cualquier aspecto de la existencia humana. Es una disciplina que no se define por un objeto, sino por una forma de "mirar" el mundo (para usar la metáfora que le es tan importante), una mirada que "transforma lo exótico en familiar y lo familiar en exótico”, según la famosa expresión del antropólogo Roberto DaMatta.
Es así como los antropólogos estudian las formaciones familiares, las actitudes hacia la muerte, las prácticas deportivas y de ocio, las concepciones de justicia, seguridad y vigilancia, las percepciones de la violencia, las representaciones de la salud y la enfermedad, las culturas profesionales y organizativas, las dimensiones simbólicas del consumo y un sinfín de otros temas que sería tedioso enumerar aquí. Siendo así, las emociones no escaparon al escrutinio de la mirada antropológica.
El primer autor en prestar especial atención a las emociones fue el etnólogo francés Marcel Mauss, quien en 1921, hace exactamente 100 años, publicó un breve artículo titulado “La expresión obligatoria de los sentimientos”. En él, Mauss analiza un conjunto de ritos funerarios australianos para mostrar que los sentimientos de luto y pesar se expresan según reglas estéticas que prescriben los momentos correctos para el llanto, para la intensificación de las expresiones del sufrimiento, etc. Su hipótesis es que los sentimientos no provendrían de la intimidad del sujeto, sino que serían despertados en él por convenciones rituales. Pero, y aquí está el toque de sofisticación teórica que caracteriza al autor, para él no sigue que estas emociones, al ser generadas socialmente, no sean auténticas. Por el contrario, lo que cambia es la comprensión del origen de los sentimientos, su “etiología”, por así decirlo: las emociones serían, como todos los demás aspectos de la existencia humana, configuradas cultural y socialmente.
Si es relativamente fácil reconocer la acción de la cultura y la sociedad en otros fenómenos debido a la diversidad de formas en que se presentan -regímenes políticos o fenómenos deportivos, por ejemplo- es más difícil aceptarlo cuando el tema en cuestión está representado, por el sentido común, como en el orden de la "naturaleza" (y por lo tanto "universal") o del orden de lo "individual" (y por lo tanto "singular"). La vida emocional adolece de ambos problemas, ya que el sentido común occidental entiende las emociones como siendo, al mismo tiempo, provenientes de dentro de cada uno, siendo individuales y singulares, y dotadas de una naturaleza universal, es decir, en esencia, la misma en todas partes. Quienes aman, o sienten celos, o envidian, o se enojan, siempre sentirían lo mismo, en cualquier parte del mundo, pero las razones para eso estarían relacionadas con la personalidad o historia de vida de cada uno.
Contra estos dos supuestos se rebela la Antropología de las Emociones. Como campo autónomo, en el “escenario” intelectual que tomaré como referencia aquí (Estados Unidos), la Antropología de las Emociones surgió en la década de 1980, teniendo como principales referentes a tres antropólogas: Michelle Rosaldo, Catherine Lutz y Lila Abu-Lughod (y no es por casualidad, como se verá a continuación, que este es un campo con tres founding mothers (madres fundadoras)).
Aquí hay tres ideas esenciales. El primero proviene del trabajo de Michelle Rosaldo, quien va a buscar en Clifford Geertz y sus análisis del concepto de “persona” una autorización teórica para construir las emociones como un objeto legítimo de análisis antropológico. Para ella, las emociones serían “pensamientos incorporados”, es decir, demarcarían la diferencia entre darse cuenta de que un niño llora y darse cuenta de que ese niño que llora es su hijo. La importancia de esta definición radica en la fusión que opera entre el afecto, la cognición y el cuerpo, áreas tradicionalmente separadas en el pensamiento occidental.
Catherine Lutz también contribuye a la construcción del campo con una etnografía sobre las emociones entre los Ifaluk de Micronesia. De su trabajo podemos retener el uso de la noción de "etnopsicología", es decir, la idea de que toda sociedad (o grupo social, si queremos expandir el rendimiento del concepto a las multifacéticas sociedades complejas contemporáneas) tiene su propia concepción de la vida emocional una (des) valoración de las emociones, prescripciones morales sobre quién puede / debe sentir qué (o no), cuándo y por qué. Así, podemos hablar de una etnopsicología Ifaluk, o Awlad 'Ali (beduinos nómadas estudiados por Abu-Lughod), así como de etnopsicologías específicas de grupos profesionales o instituciones contemporáneas.
La tercera idea también proviene del trabajo de Catherine Lutz, quien, a través de la exploración de la actuación analítica de este concepto, hace otra contribución esencial al estudio antropológico de las emociones: una investigación sobre la “etnopsicología” euroamericana (cómo demarca su universo). Para Lutz, la forma de pensar sobre las emociones propia de la Europa Occidental y de Estados Unidos contemporáneos giraría en torno a dos ejes: las oposiciones emoción-pensamiento y emoción-distanciamiento. En el primero, la emoción se asocia con lo femenino y constituye el polo negativo, mientras que el pensamiento (razón) sería un atributo de lo masculino, constituyendo el polo positivo. En el segundo, la valoración se invierte, con la emoción, ahora entendida como una capacidad empática típica femenina, recibiendo el signo positivo, y el distanciamiento (la "frialdad" analítica, la "imparcialidad" que no se conmueve) apareciendo con el signo negativo y asociado con lo masculino.
El género
De aquí surge el primer elemento que compondrá una especie de “santísima trinidad” conceptual de la antropología de las emociones: el género, que atravesará la “etnopsicología” occidental, prescribiendo los afectos a sentir y expresar por hombres y mujeres en ocasiones puntuales.
El vínculo entre género y emociones tiene varias implicaciones para el estudio antropológico de las emociones. La principal es que habría una “división sexual del trabajo emocional”, es decir, habría una gramática que prescribiera/proscribiera diferentes emociones para hombres y mujeres. Como ejemplos, podemos citar el coraje o la frialdad que se espera de los hombres, o el miedo y la compasión asociados con las mujeres. En general, estas prescripciones/proscripciones operan como un “espejo invertido”, es decir, lo que se espera que las mujeres sientan/ expresen en situaciones específicas estaría prohibido para los hombres y viceversa.
Y volvamos a la senadora Simone Tebet para examinar la pared que hizo, en la CPI de COVID, con el senador Alessandro Vieira. Si, por un lado, siempre se puede decir que estamos ante una típica escena de good cop, bad cop (policía bueno, policía malo), por otro lado podemos preguntarnos: ¿por qué el “policía malo” era el hombre y el “policía bueno” la mujer? ¿Por qué le correspondía a Alessandro Vieira desafiar agresivamente al diputado, diciendo que le faltaba coraje, y a Simone Tebet reconocer su miedo, mostrando comprensión? En una lectura antropológica de la dinámica emocional de este episodio, lo que vimos fue una perfecta escenificación de esta “división sexual del trabajo emocional”, una fina ilustración de la relación entre emociones y género postulada por la antropología de las emociones.
Así, tenemos un primer punto: la cultura actúa sobre la vida emocional, distribuyendo las emociones prescritas/proscritas en torno al eje “género”. Además, como dijimos anteriormente, esta polarización está dotada de valencia: la emoción es a veces el polo negativo (cuando se asocia con lo femenino y opuesta a la razón), a veces el polo positivo (cuando se asocia a la capacidad empática y opuesta al distanciamento masculino). Pero, ¿por qué se intercambian estas señales? ¿Por qué se devalúa la emoción al oponerse a la razón y atribuirse a lo femenino?
El control
La respuesta está en el papel asignado, en esta “etnopsicología” euroamericana, al control. La representación de las emociones, cuando se asocia a la mujer, está impregnada de imágenes de descontrol, entendido como exceso (y cabe destacar aquí que el descontrol femenino trae la marca del exceso, de la incontinencia, y no otra forma posible de descontrol, que sería inacción, parálisis). La falta de control femenino es, en cierto modo, un “adicional” en relación a un supuesto “gran punto” de “equilibrio”, que las emociones pondrían en riesgo. Lo opuesto a esto es, por supuesto, la "racionalidad" masculina, un baluarte del análisis tranquilo y ponderado porque es "frío" emocionalmente. Y todo ello da como resultado esas valencias distintas porque el descontrol emocional atribuido a lo femenino haría a la mujer, al mismo tiempo, vulnerable y peligrosa, es decir, la pondría a ella y a los demás en riesgo.
Y aquí vuelve a entrar en escena nuestro personaje, Simone Tebet, como protagonista de otro episodio en la CPI de COVID. El ministro Wagner Rosário, de la Corregedoria-Geral da União (CGU) (Oficina Federal de Asuntos Internos), era escuchado por la CPI cuando Tebet criticó su desempeño en el proceso de adquisición del gobierno federal para la compra de la vacuna Covaxin. Entre otras cosas, la senadora afirma la falsedad de algunos documentos y dice que el ministro no puede comportarse como un “abogado del gobierno”. Entonces, el diálogo se vuelve más ríspido:
Ministro.- Bien, senadora, con todo el respeto hacia usted, le recomiendo que lea todo de nuevo porque ha dicho una serie de inverdades aquí.
Senadora.- No haga eso. Puede decir que dije inverdades pero no me pida que haga algo porque soy senadora de la República.
Ministro.- Me llamó encajonador, me llamó como quería. Me llamó niño mimado, no la ataqué. La señora está totalmente descontrolada y me ataca.
En ese momento el plenario se convierte en un pandemónium, con varios senadores (hombres) saliendo en defensa de Tebet. ¿La razón? La acusación de "descontrol", tomada como "falta de respeto" a una senadora.
Ni siquiera por encargo podríamos encontrar una escena tan perfecta para ilustrar esa asociación entre lo femenino, el descontrol y las emociones descritas por el análisis antropológico de las emociones en Occidente. Esta escena es aún más fecunda, como "objeto" de análisis, porque la acusación de descontrol se hace tras una serie de críticas en las que Tebet explica al ministro cuál es su papel en el gobierno, es decir, invierte la costumbre en el proceso de quién explica, aclara o dilucida a quién, un “trabajo” que, en sociedades patriarcales, “machistas”, sería prerrogativa exclusiva de los varones (y conviene recordar el reciente concepto de mansplaining (explicación que da un hombre a una mujer, de una manera paternalista), acuñado por la periodista estadounidense Rebecca Solnit en 2014, para explicar esta versión minimalista del machismo). A su actitud "incompatible" con lo femenino (contiene ironía), el ministro responde poniéndola "de nuevo en su lugar" - después de todo, una mujer que le explica a un hombre, en público, su rol profesional, sólo puede estar "descontrolada".
El poder
Ocurre que, en este escenario, hay otro eje que interfiere en el curso de la discusión: el poder. Esta es una discusión entre un ministro y una senadora, en el contexto de la CPI, a la que el ministro asiste para testificar. Recordemos la secuencia: la Senadora dice que no aprueba el trabajo del ministro, anotándole errores en su comprensión de cuál es su papel en el gobierno y explicándole cuál es su función; él replica recomendándole que “vuelva a leerlo todo”, porque habría dicho “una serie de inverdades”; ella reacciona diciendo “no me pida que haga algo porque soy senadora de la República” y que el ministro se está comportando “como un niño mimado”; él entonces le responde "no me llame niño mimado, yo no la ataqué, la señora está totalmente descontrolada". Es en ese momento que la sesión se convierte en un tumulto, en el que escuchamos a varios senadores exigir respeto a Simone Tebet y tomar la acusación de “descontrol” como un insulto “machista”.
¿Cuál es la lógica subyacente detrás de esta acusación de “descontrol” y de la reacción de Tebet y varios senadores? Interpretar la escena con un eje ligado a la autoridad y al poder puede ofrecernos una clave para entenderlo. Se trata de un ministro convocado por senadores para declarar, condición en la que es interrogado por una mujer senadora. El lugar desde que él habla, como declarante convocado, está, en cierto modo, subordinado a quien tenga el poder de hacer preguntas. En otras palabras, los actos de lenguaje típicos de cada rol - interrogador y deponente - ya conllevan una asimetría de poder en la que lo femenino se superpone a lo masculino. La situación explota cuando el choque cambia de nivel: ya no hay más quién pregunta a quién, sino quién explica a quién. El ministro sugiere, de manera un tanto eufemística (la “serie de las inverdades”), que la senadora no entendió lo que había leído (¿un episodio de mansplaining?), lo que ella toma como una falta de respeto a su cargo. El ministro acciona entonces la acusación de “descontrol” como una forma de restablecer una jerarquía, ante lo cual Tebet reacciona de inmediato.
La santísima trinidad: género, control y poder
Vemos así completa a la “santísima trinidad” conceptual de la Antropología de las Emociones: género, control, poder. La “división sexual del trabajo emocional” es organizada según una lógica de desvalorización de las emociones por su dimensión de descontrol, entendida como un atributo/una prerrogativa de la mujer, a la vez capaz de vulnerar (el “sexo débil”) y amenazar (el equilibrio racional restaurador del orden, atributo/prerrogativa de lo masculino). Y es esta asociación entre descontrol femenino/emocional la que se encuentra en la base de tantas formas, más o menos brutales, más o menos sutiles, de “dominación masculina”.
Pero si es así, permanece la pregunta: ¿por qué tantos senadores varones salieron en defensa de Tebet? Y aquí, una escena más de nuestro personaje la senadora puede ofrecernos una respuesta.
Finalizados los trabajos de la CPI, Tebet agradeció al presidente de la Comisión, Omar Aziz, por haber permitido la participación de la bancada femenina. Dijo ella: “Su Excelencia sería nuestro décimo quinto senador, senadora. Pero para no decir que usted es una senadora más, yo diría lo siguiente: Su Excelencia es un senador de la República que tiene alma femenina. Que en lenguaje futbolístico, la paró con el pecho. Incluso dejando de lado los reglamentos, dijo: ‘Asumo la responsabilidad. La CPI tendrá voz de las mujeres brasileñas’. (...) ¿Sabe lo que pasó? Cuando la CPI estaba concluyendo su primera fase, fue desde la bancada de mujeres que salió una declaración de un diputado bolsonarista que denunciaba al presidente de la República por prevaricación. Y esa es la importancia de hombres y mujeres juntos. El senador Alessandro, en un incisivo papel de delegado, desafió el coraje del diputado bolsonarista, luego llegó la voz de una mujer que con calma, acogiendo y garantizando protección, pudo conseguir de este diputado bolsonarista el nombre del líder del gobierno en la Cámara, el diputado Ricardo Barros ”.
Hay deseo de escribir, al final de la cita, “Tebet (2021)”, siguiendo la convención del texto académico. Porque es difícil imaginar una mejor síntesis de la relación género /emoción en la etnopsicología euroamericana descrita por Catherine Lutz: la complementariedad de roles opuestos ("hombres y mujeres juntos"), con el hombre "incisivo" que "desafía el coraje" y la mujer “acogedora” que “protege".
Pero el discurso de Tebet, al final, nos ofrece aún un poco más: “Tenemos la misma sangre que las brasileñas, coraje, determinación, la capacidad de buscar la verdad sobre todo, nuestra lucha por la justicia social, sin perder la ternura”. El mujer-personaje en su discurso es corajuda y decidida, pero conserva su ternura y calma (acogiendo y ofreciendo protección), fusionando así atributos masculinos y femeninos.
Ese borrado de la “división sexual del trabajo emocional” también se manifiesta de otras formas, como en el clamor masculino de “respeto a la senadora” y las airadas acusaciones de machismo de los senadores hombres contra el ministro Wagner Rosario por el epíteto de “descontrolada” dirigido a Tebet. Aquí se trata de un choque interseccionado: ¿cuál debe prevalecer, la subalternidad de la condición femenina o la autoridad del cargo? Dado que todos están en el mismo cargo, no es difícil imaginar la respuesta.
Y, sin embargo, llama la atención el abundante uso de metáforas futbolísticas que hace Tebet en varios discursos. En una entrevista sobre cómo logró que el diputado Luís Miranda dijera el nombre deseado por la CPI: “se metió el gol. Pero fue una construcción colectiva. No sé mucho de fútbol, pero puedo decir que cabeceé después de un tiro de esquina”. O respondiendo a un tweet unas semanas antes: "Para continuar con la metáfora del fútbol, parece que el juego aún tendrá tiempo extra con momentos decisivos". Y, retomando el elogio de Omar Aziz: “Vuestra Excelencia la paró con el pecho”.
El entrelazamiento de género-control-poder, que es central para la constitución del campo de la antropología de las emociones, metió un golazo en la CPI de COVID. Si el empoderamiento femenino está en la cresta de la ola, Tebet y su equipo de senadores ha eludido la marcación contraria, reproduciendo a veces las asociaciones clásicas del hombre-coraje y mujer-acogimiento, a veces despistando al medio campo al someter a un hombre a la autoridad de una mujer. (y no está de más que se informe al lector que Wagner Rosário, quien concurrió a la CPI como deponente, salió de la sesión como investigado).
Es porque las emociones, aunque pertenecen en la imaginación occidental al mundo privado (como las mujeres), también juegan un papel en el mundo público masculino (del cual la vida política es quizás la quintaesencia). Y este papel es cada vez más reconocido, tanto por los teóricos como por sus “nativos”, como sucedió en el teatro de la política escenificado en la CPI de COVID del Senado brasileño.
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La socióloga estadounidense Arlie Hochschild escribió que “las emociones son el lado oculto de la ideología”. Con esto quiso decir que las macro formas de organización social solo cambian realmente cuando se producen efectos en los niveles micro de las interacciones cotidianas, la subjetividad y las emociones.
¿Cuándo empezaron los hombres a considerar irrespetuoso llamar a una mujer “descontrolada”? ¿Y cuándo se levantaron contra esto, diciendo “machistas” a los incautos? ¿Y cuándo recurrió una brasileña a tantas metáforas futbolísticas para comentar sobre su propia actuación (un tanto sin oficio es cierto, después de todo, dice que no entiende de fútbol)? Y, sin embargo, ¿desde cuándo Omar Aziz puede no sentirse ofendido por tener alma de mujer y ser la decimoquinta senadora?
O: ¿desde cuándo ser mujer se convirtió en un cumplido?
La política es juego y teatro al mismo tiempo, como muchos ya han comentado. La Senadora y los Senadores jugaron para la platea, evidentemente, en esos discursos repletos de, pero principalmente sobre, las emociones.
Pero cada puesta en escena debe ser creíble. Así, si por un lado hay un cinismo y una manipulación evidentes, si miramos a otro terreno - el deporte - veremos algo similar rediseñándose en la dimensión emocional de los roles de género.
Durante los Juegos Olímpicos, la skatista Karen Jonz estaba comentando sobre las competencias de skate cuando, frente a una vuelta extraordinaria de la japonesa Misugu Okamoto, Karen la elogió en una transmisión en directo: “ella puso la concha sobre la mesa: es eso, gente” (“puso los ovarios arriba de la mesa”). Las redes sociales enloquecieron y Karen Jonz se unió a los temas más comentados en Twitter.
Hablando sobre su desempeño, Jonz dijo (según informa el portal Terra) que estaba “emocionada y descontrolada” durante las transmisiones. Otro signo más que cambió: el descontrol emocional ahora es positivo, tan positivo que justifica la inversión metafórica de lo que las grandes ganadoras ponen sobre la mesa.
Género, (des)control, poder y sus valencias: ésta es una contribución, entre tantas, que la antropología de las emociones tiene para ofrecer a la comprensión de un sinfín de fenómenos contemporáneos. ║
www.librevista.com número 46
[1]Maria Claudia es doctora en sociología, maestra en antropología social y graduada en historia. Es profesora titular de Antropología en la Universidad Estatal de Río de Janeiro, donde ejerce la docencia desde 1993. Su ensayo La espiral del mundo: breve comentario sobre las expectativas para el siglo XXI fue Premio librevista de ensayo 2021.
[2] Maria Claudia es doctora en sociología, maestra en antropología social y graduada en historia. Es profesora titular de Antropología en la Universidad Estatal de Río de Janeiro, donde ejerce la docencia desde 1993. Su ensayo La espiral del mundo: breve comentario sobre las expectativas para el siglo XXI fue Premio librevista de ensayo 2021.